Na época de Cristo, as pessoas caminhavam por estradas de terra e, pelo fato de usarem sandálias, chegavam aos seus destinos com os pés empoeirados. Por isso, assim que um visitante entrava numa casa, vinha um escravo, caso houvesse algum ali, para lavar-lhe os pés. Tal costume é lembrado no relato de Lucas 7.36-50. Na casa do fariseu, não houve quem trouxesse água para lavar os pés de Jesus. Então, veio uma mulher que os lavou com suas lágrimas e enxugou com os cabelos.
Não existe uma ordem bíblica para que a igreja realize a cerimônia do lava-pés, embora possamos fazer isto, eventualmente, como ilustração prática da nossa mensagem.
O episódio narrado em João 13.1-17, quando Jesus lavou os pés dos discípulos, encontra-se no contexto da páscoa. Os dias que antecediam a festa eram de rigorosa purificação, tanto dos corpos quanto das casas (João 11.55; Êx 12.19). Na véspera, os discípulos se puseram à mesa da ceia com o Mestre. Aparentemente, tudo estava certo, mas aqueles homens estavam com os pés sujos. Isto era incoerente com a pureza requerida para a ocasião. Todos poderiam estar adequadamente vestidos, mas os pés estavam sujos. Jesus sabia disso. O Mestre sabe das nossas impurezas, pecados e culpas, por menores que possam parecer. Ele não faz “vista grossa”, como se a sujeira não estivesse lá, mas deseja nossa plena purificação.
Entretanto, Jesus e os discípulos não tinham escravos. Imagino que as tarefas eram divididas entre eles. Os preparativos da ceia já tinham sido providenciados. Alguém conseguiu o local, outro preparou a mesa, outro comprou os alimentos etc, mas quem lavaria os pés dos presentes? Cada um poderia sentir-se realizado por ter cumprido sua tarefa, mas sempre existe algo que precisa ser feito e ninguém quer fazer.
Naquele momento, Jesus poderia ter ensinado uma lição de independência, ordenando que cada discípulo lavasse seus próprios pés. Seria uma alternativa plausível. Entretanto, Cristo não queria incentivar a autossuficiência, o individualismo e o isolamento, mas sim a comunhão. Poderíamos dizer: “Cada um com os seus problemas. Você lava seus pés e eu lavo os meus”. Não é este o ensinamento cristão. Por isso, não existe autobatismo nem ceia individual. O desejo de Deus é que seus filhos vivam em comunhão.
Então, Jesus surpreendeu a todos. Levantando-se, colocou água na bacia e pegou a toalha. Em seguida, abaixou-se e lavou os pés dos seus discípulos. Jesus tomou a iniciativa e assumiu a posição de um servo, de um escravo. Ele fez o trabalho que ninguém queria fazer. Ele fez o que nenhum fariseu faria. O Mestre não tinha obrigação de fazer aquilo, mas estava ensinando muitas lições por meio daquele gesto. Da mesma forma, precisamos fazer mais do que a nossa obrigação.
Havia uma necessidade e alguém precisava atendê-la. Jesus estava atento às oportunidades, não de aparecer, mas de servir. Foi ensinada ali uma grande lição de humildade. Não era uma aula teórica, mas um ensinamento pelo exemplo, como todo líder deve ser capaz de fazer. Para lavar os pés dos apóstolos, Jesus precisou sair de sua posição de conforto à mesa, precisou abaixar-se, ajoelhar-se. Devemos fazer o mesmo: tomar atitudes humildes. A humildade é necessária em casa, no trabalho, na escola, na igreja e até mesmo no trânsito. Sem humildade, fica difícil permanecer no casamento ou no emprego. Por esta causa, algumas pessoas estão sempre mudando de lugar. Sem humildade, fica difícil até o relacionamento com os vizinhos, por melhores que eles sejam.
Até para aprender é preciso ser humilde. Também para reconhecer o erro, pedir ajuda, pedir perdão ou mesmo perdoar. Ser humilde não é ser pobre, mas reconhecer em si a simplicidade da condição humana. Humildade vem da palavra “humus” que significa “terra”, de onde vem também a palavra “humano”. Deixemos de lado as grandezas aparentes deste mundo e lembremo-nos de que somos pó, e não existe um pó da terra melhor do que o outro.
Jesus desceu da sua glória e assumiu a condição humana. Como homem, tornou-se servo. Como servo, foi obediente, obediente até a morte e morte de cruz (Fp.2). Ele ensinou que nós também somos servos e não apenas filhos de Deus. O filho pode assumir uma posição de receber, mas, como servos, precisamos também estar prontos para fazer algo, não apenas para nós mesmos, mas para outras pessoas.
Se estivéssemos participando daquela ceia, talvez teríamos uma postura de convidados, mas Deus quer que nos comportemos como servos. Ser servo significa que eu não sou o senhor. O óbvio precisa ser lembrado. Devo reduzir minha expectativa em relação ao que desejo que Deus realize e perguntar o que Ele quer que eu faça. Afinal, o servo sou eu.
Fomos chamados para servir. É muito fácil servir ao patrão que paga bem, mas precisamos também prestar um bom serviço àquele que paga mal. Em se tratando da questão profissional, você pode pedir demissão, se preciso for, mas não pode prestar um serviço ruim (aplicando princípios de 1Tm.6.1-2; Ef.6.5-8; 1Pe 2.18; 1Co 7.21).
Jesus lavou os pés dos discípulos. A bíblia não diz, mas podemos ter certeza de que ele fez um serviço da melhor qualidade. Enxugar os pés era a finalização com zelo.
Não devemos usar o ensinamento bíblico a respeito do serviço e da humildade para explorar os nossos irmãos, mas sim para assumirmos a nossa posição de servos, tomando cuidado para também não sermos explorados por pessoas mal intencionadas (Cl 2.18). Jesus lavou os pés dos discípulos, mas não significa que Ele faria aquilo todos os dias e para sempre. Também não podemos, individualmente, assumir tudo, lavando pés, mãos, chão, paredes e teto. O excesso compromete a qualidade e a continuidade do serviço. Não seja omisso nem exagerado.
É natural que sirvamos aos nossos superiores, mas Jesus serviu aos seus subordinados. Quando servimos aos nossos irmãos, declaramos que os consideramos superiores a nós. Pode ser fácil servir àqueles que nos amam, mas Jesus lavou também os pés de Judas Iscariotes, mesmo sabendo que ele o havia de trair (Jo 13.1,2,3,11). Cristo ultrapassou os limites da razoabilidade humana, demonstrando amor, mansidão e misericórdia.
Acusar e criticar são atitudes bem mais fáceis do que servir. É muito fácil dizer: “Seus pés estão sujos”, mas abaixar-se para lavá-los não é tão simples. Não tenha nojo do pó que está nos pés do seu irmão porque você também é pó. Devemos nos ajudar mutuamente no sentido de nos purificarmos do pecado, admoestando-nos uns aos outros com amor. Não zombe do seu irmão que está com os pés sujos. Os seus podem estar em pior situação. Disponha-se para ajudar a resolver um problema que não é seu.
Quando chegou a vez de Pedro, ele protestou: “Mestre, tu nunca lavarás os meus pés”. Depois, diante da ameaça de não ter parte com Cristo, ele mudou de ideia: “Lava também minhas mãos e minha cabeça”. Precisamos tomar cuidado com atitudes extremas. Num momento, o indivíduo não quer nada com Jesus. Depois, quer que Jesus faça tudo. Não é assim. Ele estava ali para lavar os pés dos discípulos, mas o banho era responsabilidade de cada um. Existem coisas que Deus faz por nós e outras que fazemos uns pelos outros, mas nada elimina a responsabilidade pessoal. Cada um tem que resolver o que estiver ao seu alcance.
A tendência do ser humano é cuidar apenas de si mesmo, mas precisamos fazer alguma coisa para ajudar os necessitados. A bíblia está repleta de orientações neste sentido. Devemos fazer o bem a todos, mas existe maior mérito em ajudar aqueles que não podem retribuir. Faça algo por alguém sem que a pessoa saiba que foi você. Enfim, façamos para Deus e não com o propósito de sermos reconhecidos pelos homens.
O texto de João 13 mostra, no verso 2, a influência de Satanás relacionada ao ato de trair. O restante do texto nos mostra a influência de Jesus nos ensinando a servir. O Mestre concluiu dizendo: “Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes”. E o que fez Judas Iscariotes? Saiu no meio da reunião e sujou os pés novamente. Traiu o Mestre, vendendo-o por 30 moedas de prata. Ele escolheu qual influência seguir. Nós também podemos escolher.
Jesus disse que os discípulos seriam “bem-aventurados”, felizes, ao seguirem seu exemplo de serviço. O egoísmo nos conduz à angústia dos desejos insaciáveis. O amor ao próximo nos conduz ao tipo de felicidade que Jesus ensinou.
Os servos de Deus nunca ficam no prejuízo, pois todos serão recompensados. O problema é que corremos atrás das recompensas e parece difícil alcançá-las. Corra atrás do serviço. A recompensa será mera consequência.
::Pr. Anísio Renato de Andrade
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